O Prêmio Nobel da Paz de 2020 foi para o Programa Mundial de Alimentos (PMA), a maior agência das Nações Unidas, por seus esforços no combate à fome e pela necessidade de “solidariedade internacional e cooperação multilateral”. O anúncio, feito às 11h em Estocolmo, na Suécia (6h, horário de Brasília), corresponde à 101a premiação da categoria, concedida anualmente pelo Comitê Norueguês do Nobel.
— Até o dia que tivermos uma vacina, a comida é a melhor vacina contra o caos — disse Berit Reiss-Andersen, presidente da Comissão. — O Prêmio Nobel da Paz de 2020 foi para o Programa Mundial de Alimentos por seus esforços de combate à fome, por sua contribuição para melhorar as condições para a paz em áreas atingidas por conflitos e por agir como força-motriz dos esforços para prevenir a fome como uso de arma de guerra e conflito.
Criado em 1961 e sediado em Roma, o PMA é a maior organização do planeta de combate à fome e o 12o braço da ONU a ser premiado com o Nobel. Apenas em 2019, a agência forneceu assistência a 97 milhões de pessoas em 88 países, disse Reiss-Andersen. Financiada por doações voluntárias, a organização, assim como outras entidades de combate à fome, enfrentam dificuldades para obter os recursos necessários para realizar seu trabalho.
Nos últimos anos, no entanto, o cenário vem piorando: em 2019, o número de pessoas que passam fome chegou a 135 milhões, aumento causado majoritariamente por guerras e conflitos armados. A estimativa é que, até o ano que vem, o número chegue a 265 milhões. Apenas no Brasil, uma das maiores potências agrícolas do planeta, mais de 10 milhões de pessoas vivem em situação de insegurança alimentar grave, segundo o IBGE.
O diretor do PMA, David Beasley, classificou o prêmio como um “reconhecimento incrível”. Em seu Twitter, a organização deu os seus “mais profundos agradecimentos”, afirmando que a vitória é “um lembrete poderoso para o mundo de que a paz e a fome zero caminham lado a lado”.
Em seu anúncio, Reiss-Andersen ressaltou que a pandemia de Covid-19 teve como consequência um grande aumento do número de vítimas da fome que, somada à intensificação de conflitos em países como Iêmen, República Democrática do Congo, Nigéria, Sudão do Sul e Burkina Faso, teve efeitos dramáticos.
— A ligação entre fome e conflito armado é um ciclo vicioso: guerra e conflitos podem causar insegurança alimentar e fome, assim como a fome e a insegurança alimentar podem ser o estopim para conflitos latentes e desencadear o uso de violência. Nós nunca conquistaremos o objetivo de acabar com a fome a menos que coloquemos um fim na guerra e nos conflitos armados — disse Reiss-Andersen.
O prêmio pode ser visto como um balde d’água fria ao discurso “globalista” adotado por líderes como Donald Trump e Jair Bolsonaro, que acusam instituições internacionais de minar soberania dos países e tentar apagar as tradições nacionais e relegam a cooperação internacional.
Desde que chegou ao poder, Trump retirou os EUA de diversas organizações das Nações Unidas e cortou financiamento para diversas outras — neste ano, em meio à pandemia de Covid-19, deu entrada no processo de saída americana da Organização Mundial da Saúde. Entre 2019 e 2018, no entanto, o país aumentou em US$ 910 milhões sua contribuição para o PMA, doando um total de US$ 3,4 bilhões, 42% do orçamento total de US$ 8 milhões.
O Nobel, em parte, foi concedido pelo trabalho que a agência exerceu no processo diplomático que culminou, em maio de 2018, na adoção de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU que aborda, pela primeira vez, os elos entre a fome e conflitos. A medida, na prática, ressalta as obrigações dos Estados-membros de garantir assistência alimentar e condena o uso da fome como tática de guerra.